A insatisfação é tema antigo na política, e ressoa à tão remotos tempos quanto o problema da corrupção, que já na República de Platão era descrita como sintoma da degeneração das formas de governo. Para situar o problema, pode-se dizer que a expressão de insatisfação e desconfiança com a política deu voz tanto a liberais quanto a democratas. Enquanto o objetivo de vantagem da desconfiança para os liberais estava em proteger o indivíduo dos impedimentos que lhe imporia a autoridade política seja em Montesquieu, Madison ou mesmo Benjamin Constant, e a desconfiança era relativa ao poder popular pela possibilidade de equívocos, houve relutância perante a instalação do sufrágio universal. A leitura democrática, por seu lado, conduziu a desconfiança no sentido de velar para que o poder eleito se mantivesse fiel aos seus compromissos, tentando encontrar os meios que permitissem manter a exigência inicial de um serviço por um bem comum.
Insatisfação quanto ao poder pode ser democrática? Se há uma compreensão de que o conflito de ideias e concepções de mundo faz parte do jogo, sim. Foi de Antonio Gramsci, em seu primeiro caderno redigido no cárcere, a ressalva de que diferenças sociais se refletem na linguagem comum, pois linguagem também pode ser entendida como cultura e filosofia ( ainda que à nível do senso comum). A insatisfação faz parte da linguagem política em uso no Brasil; muitas vezes este tema chega aos nossos ouvidos no esteio de processos ligados apenas a certos homens em particular, a alguns momentos da vida pública ou a alguns setores da vida social.
Neste mesmo caminho a pauta de discussão da política no Brasil se volta para uma perspectiva de moralização da atividade política, considerando que os atores políticos estão completamente descolados da sociedade que os abriga. Seria realmente possível tal diagnóstico? Reside apenas nas pessoas dos atores políticos, a culpabilidade pela ressaltada morosidade ou inabilidade das instituições brasileiras? Devemos pensar sobre para onde nos leva a idéia de que a mudança política advém da simples moralização da atividade política. Esta perspectiva parece adiar a discussão dos temas que de fato modificariam a estrutura política em atuação.
E isso remete também a diagnósticos que trazem tons elitistas ao debate, ao considerar politicamente melhor isolar as perspectivas do social e do político. É possível prevenir perenes perspectivas demofóbicas, que guardam a política para alguns, se consideramos o campo da política como algo mais amplo que a política institucionalizada ou os políticos institucionalizados. Isto requer embates por romper com as imagens que apresentam o termo político sem nenhum envolvimento com o caráter geral da vida humana.
Por outro lado, parece indiscutível que o debate sobre a corrupção é uma dentre várias formas do movimentar-se da sociedade brasileira. A liberdade de expressar opinião para todos os que desejem e para tanto se organizem é um dos preceitos salutares e democráticos por definição. Para além do debate sobre a insatisfação com a corrupção, é preciso discutir as formas como a insatisfação política, em geral, vem sendo canalizada. E ao falar isso, em absoluto, não pretende-se referendar movimentos ou partidos “apolíticos”. É sempre bom lembrar: não há nada mais político do que criticar a política e as instituições representativas em funcionamento em uma sociedade. Em jogo está a concepção de mundo que se deseja, e não apenas a administração dele, como sugerem alguns.
Discutir a insatisfação política, de forma democrática e sem isolar o social e o político significa olhar com lentes minuciosas para as muitas formas de representação da sociedade civil, da representação de interesses, da representação de identidades ou, a maneira como nossa sociedade vem tomando forma política. Isto significa que além do momento eleitoral, e seus representantes, coexistem mecanismos não diretamente ligados ao sufrágio universal a insatisfação, o não querer se associar a política tal qual se conhece e ainda assim legítimos e com possíveis impactos democráticos. Era de Moses Finley a observação de que, se a mudança política ainda figura como possibilidade, é possível o entendimento de que se faz parte de uma comunidade.
Henrique Junior de Morais
Presidente PSL de Redenção