Brasília - O Instituto Médico Legal (IML) de Pernambuco está usando um caminhão-frigorífico para acondicionar cerca de 14 corpos. De acordo com a Associação Pernambucana de Médicos Legistas e Odontolegais (Apemol), esta é a segunda vez que o instituto adota essa medida paliativa como forma de compensar a falta de estrutura do IML. A primeira foi quando os médicos legistas examinaram os 58 corpos de vítimas do voo 147 da Air France, em junho do ano passado. Segundo a Apemol, entidade que sugeriu o aluguel do caminhão à Secretaria de Defesa Social (SDS), o tipo de frigorífico é o mesmo modelo que é utilizado para transportar carne para consumo humano. “Não há mais condições de acondicionarmos os corpos na geladeira do IML. A situação é complicada e estamos alertando todas autoridades sobre isso desde 2001. Infelizmente é por causa de descaso que isso está acontecendo”, disse a vice-presidente da Apemol, Clene Magalhães, à Agência Brasil. Ela explicou que a situação é a mesma desde 2001. “Além da capacidade da geladeira continuar insatisfatória, apresentando panes constantemente, as condições de trabalho são insalubres, principalmente na sala de necrópsia, que apresenta problemas de refrigeração e nos expõe a situações graves decorrentes da putrefação, como a contaminação por não haver sequer máscaras ou botas disponíveis”. Clene citou o caso do auxiliar técnico de necrópsia Avanildo Bezerra Gomes, ocorrido em 2008. “Ele ficou cego depois que uma mosca contaminada pousou em seu olho. Não fiz medicina legal para trabalhar dessa forma, como se fosse uma despachante de cadáveres. Fiz medicina para ajudar a Justiça Penal a cumprir com o seu dever”, afirmou. De acordo com a Apemol, há vários anos os exames médicos legais estão sendo realizados “a toque de caixa e sem seguir os procedimentos legais”, para dar conta da falta de estrutura e de pessoal pela qual passa há anos o IML. A Apemol decidiu então instruir os médicos legistas a realizarem as normas técnicas da forma correta. Com isso o trabalho ficou mais lento e o número de corpos foi se acumulando nas geladeiras. “Não dava para continuar fazendo as perícias da forma como vínhamos realizando, sem que os procedimentos legais fossem adotados. Todo cadáver que vem para cá é por morte violenta, o que implica em ele servir de prova material contra o autor do crime. Se mal feito, o nosso trabalho pode ser contestado na Justiça pela defesa do acusado e acabar deixando livre um criminoso ou prendendo um inocente”, disse Clene. Segundo ela, o caminhão é uma medida paliativa necessária para que os médicos legistas cumpram todos os critérios técnicos previstos e realizem as necrópsias sem risco de contestação judicial. “Já houve pressão velada para que voltássemos a fazer os procedimentos da forma irregular como vínhamos fazendo”, acrescenta a dirigente da Apemol. Em muitos casos, afirma a médica, é necessário que os corpos permaneçam por tempo indeterminado no IML, “o que muitas vezes não acontece justamente por falta de espaço na geladeira. Atualmente são apenas 36 bandejas para acondicionar os 50 corpos que estão no instituto. Sem o caminhão eles estavam depositados no chão”. O caminhão frigorífico foi contratado pela Secretaria de Defesa Social a pedido do gerente-geral de Polícia Científica, Francisco Sarmento. “Eu não comeria a carne transportada por esse caminhão porque não sei se de fato é feita uma descontaminação adequada”, afirma Clene. Como foi a Apemol que sugeriu o aluguel do reboque, a entidade se comprometeu a fazer um acompanhamento do processo de limpeza do compartimento. “Essa é uma obrigação da vigilância sanitária, mas nós também fazemos isso”, afirmou. Na época do acidente com o avião da Air France também foi usado um caminhão-frigorífico do mesmo tipo para preservar os corpos. O gerente da Polícia Científica de Pernambuco, Francisco Sarmento - chefe da entidade para a qual o frigorífico foi alugado -, disse não saber se os procedimentos de descontaminação feitos pela empresa foram adequados, para o caso de serem utilizados para o transporte de alimentos. “Não acompanhei isso e também não sei qual é a função do [caminhão-frigorífico] que alugamos recentemente”, disse Sarmento à Agência Brasil. Segundo ele, há motivações salariais por trás das ações dos médicos legistas. “Foram gastos mais de R$ 1 milhão em reformas do IML, em vários setores. Entre eles, a sala de necrópsia”, disse Sarmento, sem precisar exatamente as reformas realizadas. “O que existe aqui é uma briga salarial visando também a diminuição da carga horária”, afirmou ele, sem saber dizer qual é a faixa salarial dos médicos legistas. “Há vários anos realizamos manifestações para denunciar o descuido, tanto com o IML como em relação aos profissionais que lá atuam. Nada foi atendido. Inclusive fomos penalizados porque aumentaram nossa carga horária de 30 para 40 horas, o que é inconstitucional porque nos tira o direito a dois vínculos públicos”, disse a vice-presidente da Apemol, Clene Magalhães. “Nosso salário bruto varia entre R$ 3,2 mil e R$ 4,5 mil”, completou. Repórter da Agência Brasil Pedro Peduzzi