
Com a ICID, começam os esforços oficiais para impedir que mundo seque. Segundo a ONU, em 2050 mais de um terço do solo cultivável do planeta será engolido pela desertificação. Começou a ICID 18 e um prefeito de 13 anos, um homem de Benim, um secretário do Ministério do Meio Ambiente e o diretor do evento foram os destaques da solenidade de abertura, nesta segunda-feira, no Centro de Convenções. Além da ICID, a solenidade deu início à Década das Nações Unidas sobre Desertos e de Combate à Desertificação (leia mais na página 11). ICID 18 é a sigla muito sóbria da “2ª Conferência Internacional: Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas” que, apesar do nome, contempla todas as regiões secas do planeta. Dezoito foram os anos que separaram a primeira edição, em 1992, da atual. O prefeito é, na verdade, “prefeito-mirim” de Maracanaú, Davi Santos. Vestido de adulto, a passeio completo, era um homem em miniatura discursando. Falando com a desenvoltura de um político e a simplicidade de uma criança, Davi cumpriu o papel de sensibilizador e arrancou os aplausos mais calorosos da plateia quando pediu o trivial: que cuidássemos de nossos filhos como ele, apenas uma criança, já pensa nos seus. A preocupação se justifica: “Não é apenas o trigo, o pão que deixaremos de comer: um terço das áreas cultiváveis do planeta deixará de existir em 2050, quando seremos nove bilhões de pessoas”. A previsão foi feita pelo secretário executivo da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, Luc Gnacadja (pronuncia-se “Nacátia”), natural do discreto país africano Benin e grande autoridade da ICID 18. O prognóstico é baseado na tendência global de degradação da qualidade do solo pela desertificação. “Não sabemos o quão rápido nem onde isso acontecerá. É em conferências como essa (a ICID 18) e em campanhas que poremos em prática que os cientistas precisam mostrar essa realidade para mudar a mente das pessoas e dos tomadores de decisão”, disse Gnacadja. Nesse contexto, a Rio 20 (ou a Cúpula da Terra de 2012, sucessora da Rio-92) entrará como grande marco, consolidando – essa é a expectativa – políticas globais de sustentabilidade, onde se encaixa, inerentemente, o combate à desertificação. E a ICID serve como reunião preparatória para 2012. “Nosso primeiro objetivo é influenciar a agenda da Rio 20. Queremos que a Cúpula contemple em sua agenda a política de desenvolvimento e sustentabilidade das regiões secas. Regiões onde se concentra a pobreza do mundo e os problemas de degradação e das mudanças climáticas serão mais sentidos em termos sociais” – disse o diretor da ICID, Antônio Rocha Magalhães. O Ministério do Meio Ambiente esteve representado por seu secretário executivo José Machado, eloquente ao propor o “pacto político”, a inversão de prioridades necessárias para a transformação do semiárido brasileiro. Em suas palavras: “Precisamos de uma visão política para além do conhecimento técnico. Temos problemas ambientais, socioeconômicos e o que falta, sobretudo, é compromisso. Isso significa romper divergências. As instituições têm dificuldade de dialogar entre si, muitas vezes movidas pela vaidade. Mas precisamos construir um padrão de desenvolvimento sustentável, o que requer, sobretudo, visão de futuro”. A política precisa ouvir a ciência Convergência entre políticos e cientistas foi uma tônica em todos os discursos na abertura da ICID 18. A demanda é urgente, como exemplificou Luc Gnacadja ao ler carta do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon: mais de dois bilhões de seres humanos vivem nas regiões secas, com renda per capita de menos de um dólar por dia e dificuldades de acesso à água. “A degradação é problema global que exige resposta global” – citava a carta de Ban Ki-moon. “Precisamos de campanhas de longo prazo para combater a desertificação. Por que ela existe? Temos que pensar sobre isso” – disse Gnacadja, para quem a qualificação técnico-científica e a transferência de tecnologia entre nações são pilares fundamentais para a construção de um novo paradigma. “Os semiáridos devem ser vistos como ativos e não passivos da sustentabilidade. Isso não é problema de uma nação, mas da civilização. Não de uma geração, mas uma herança para as gerações futuras”. José Machado e Antônio Rocha Magalhães partilham da ideia. E a ICID 18, para eles, apresenta-se como uma oportunidade para ciência e política se encontrarem, uma contribuição para o diálogo entre cientistas e tomadores de decisões internacionais. No entanto, o diálogo é apenas um meio. “As autoridades têm que agir enquanto falam e falar enquanto agem” – bem pontuou Luc Gnacadja. A advertência é pertinente: quando a sustentabilidade ganha a mídia, transforma-se num poderoso elemento de marketing, inclusive político, e é explorada sem pudor por quem quer lucrar com ela. A prática, já bastante difundida, é chamada de “greenwashing”. Em bom português: pintar de verde e dizer que é ecológico. Apenas no primeiro semestre de 2010, por exemplo, Fortaleza teve dois bons modelos da divergência perniciosa entre ciência e política, que justificam o alerta de Luc. O mais badalado foi a quase instalação – à época, obsessão de Cid Gomes – de um estaleiro no Titanzinho, que é Zona de Especial Interesse Social. Outro fato de cunho político que indignou cientistas locais foi a suspensão da lei municipal que transformou as dunas do Cocó em Área de Relevante Interesse Ecológico. Na ocasião, o desembargador Ernani Barreira concedeu polêmica liminar suspendendo os efeitos da lei, que protegia as paleodunas da especulação imobiliária. Vendo Ernani Barreira e Cid Gomes na mesa de abertura da ICID 18, não há como esquecer a mensagem de Luc: é preciso agir enquanto se fala. Por Tarik Otoch